Textos e Artigos

 Quando os pais não sabem mais dizer não

                                                                              Suelene Pereira da Silva 

Lembro dos meus pais quando eu criança. Mais precisamente da minha mãe, como forma de interdito. Não por ser minha mãe a representação do "proibido", mas por ser meu pai a figura isenta que desempenhava apenas a função de "sustentar" financeiramente a família. E, assim, constituiu-se minha subjetividade enquanto sujeito.

Certamente que os tempos eram outros. Crianças eram consideradas incapazes de querer por si só. A família era símbolo de fortaleza e a cultura da época sustentava a "doce" ou "amarga" pressão do recalque. As nossas escolhas e os nossos desejos se apresentavam, mas não adiantava persistir, pois logo eram consideradas infundadas reclamações. Tínhamos, então, o processo de formação do sujeito individual sustentado no processo cultural e na tentativa de focar no cumprimento às "leis" que solidificavam uma época.

Assim cresci! E o meu universo de criança não transpassava as barreiras do meu quintal; do quarto dividido com os irmãos e das brincadeiras com os primos, outros tantos projetos de homens e mulheres que se espelhavam nos pais para sonhar e, sonhar não era transcender o espaço.

Os fatores que sustentavam uma época representavam à vida do sujeito um mal estar decorrente do excesso e da repressão. O limite vinha em forma de não e, para os filhos da época, era corriqueiro frear os seus desejos. Os pais representavam, nesse processo, o que Lebrun diz: aos pais era a tarefa de educar que se estabelecia na relação. Reportando-me à época trago as imagens de criança que cuja preocupação era apenas obedecer aos pais, representantes do "endereço da geração seguinte" (LEBRUN 2008). Aos pais restava a tarefa de corresponsável pelo "futuro" dos filhos e isso implicava recorrer a alguns feitos que surtissem efeito: o castigo, o bater, e Deus, apresentado a nós como figura repressora, vingativa e responsável por "escolher" o sofrimento ou felicidade do sujeito, mediante a sua atuação como respeitador, ou não, aos costumes da época. E, nesse processo, víamos nossos pais viver o contrário da célebre frase de Che Guevara, eles endureciam e perdiam a ternura.

Tínhamos, então, uma geração considerada hereditária constituída de subjetividade individual e coletiva, em uma sociedade sustentada na hipótese de neuroses que rendeu estudos na tentativa de "explicar" os rumos da história patológica ou psicossomática do sujeito.

Cresci! Em uma geração de medo e temor. Temente a Deus, aos meus pais, aos mais velhos, ao diabo. A figura do mal se fazia presente nos meus sonhos enquanto eu dormia, e em meus "sonhos" enquanto acordada. Ao meu mundo restava crescer, dia após outro, e viver o calendário anual resumido ao ano letivo e à lembrança de datas comemorativas que cumpriam o papel social de estabelecer ligação entre os indivíduos da família e da sociedade.

Eu sou exemplo vivo da geração da renúncia pulsional, enquanto a história da constituição do sujeito toma rumos diferentes. Casei, tive filhos e agora cabe a mim a tarefa de educá-los. Formei-me em magistério e exerço minha profissão há vinte e cinco anos. Como adulta encontrei uma sociedade desnorteada e sem convicção do papel de cada um. De sujeitos imediatistas e sem legitimidade. O quintal das minhas filhas e dos meus alunos transpassa as barreiras do "não pode" ou "não deve", hoje, nos deparamos com a sociedade do consumo e do gozar a qualquer preço, e procuro, diante da crise de identidade social, manter o equilíbrio da sanidade psíquica.

Aos pais cabe a tarefa de amar seus filhos, e amar parece se confundir com a permissividade, passa a valer a expressão pulsional. Perde-se o sentido do limite, aspecto relevante na estrutura psíquica do sujeito e "passamos do registro de que "há um impossível", para "tudo é possível". O calendário cumpre a tarefa de sustentar uma economia globalizada e as datas comemorativas não têm mais o propósito de estabelecer relações afetivas.

Passamos de um extremo a outro, em uma velocidade luz incapaz de ser medida por suas consequências. Estatísticas evidenciam os índices agravantes de violência, desrespeito e autonomia tardia dos pais e precoce dos filhos. Estes, riscaram a palavra não do seu dicionário, e seguir a ordem da hierarquia é estar "fora do rebanho".

Nesse contexto, os pais perdem a sua supremacia e dão lugar a hegemonia coletiva, que impulsiona os interesses individuais. Enquanto isso, os filhos são filhos do seu tempo e ambas as partes são integrantes dos conflitos que permeiam a pós-modernidade.

Necessitamos urgentemente repensar nossos valores e solidificar, de alguma forma, a nossa legitimidade. Para tanto, faltam-nos "referenciais sustentáveis":

E por que não há uma barreira a essa "ditadura" do gozar? [...] E se não há por que manter a renúncia pulsional, [...] todo o universo psíquico do sujeito corre o risco de se romper, e o resultado é uma ruptura com o social. Costa, 2005, p. 64


BIBLIOGRAFIA:

RAPELA, Andréa. Construção Da Subjetividade e Sua Relação Com a Cultura, 2016

LEBRUN, Jean-Pierre. A Perversão Comum. Viver juntos sem outro. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008


MELANCOLIA

                                                                           Sâmea Franceschini

"É por um lado, como luto, uma reação à perda real de um objeto amado; mas, acima de tudo isso, é assinalada por uma determinante que se acha ausente no luto normal ou que, se estiver presente, transforma esse luto em patológico."  (Freud, 1915, p.256).

A todo momento, em qualquer parte do mundo, pessoas enfrentam situações não desejadas e impactantes, muitas absolutamente inesperadas e difíceis de serem compreendidas e aceitas. A existência humana carrega em si fragilidades e instabilidade das quais, em geral, não nos damos conta quando tudo transcorre sem sobressaltos em nosso cotidiano. E não podemos deixar de mencionar as mudanças mais radicais e desafiadoras para a existência e compreensão humanas, que são, sem dúvida, aquelas relacionadas à morte, seja porque vemos nos aproximar a nossa própria morte, seja porque perdemos pessoas queridas. É quando vivemos o luto.

Abordamos, aqui, o luto porque há uma correlação entre ele e a melancolia. O luto, de modo geral, é a reação à perda, mas, em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia, em vez de luto. Segundo Freud (1915), essas pessoas possuem uma disposição patológica. Enquanto no luto esperamos a superação, já que o objeto amado não existe mais, toda a libido deverá ser retirada de suas ligações com aquele objeto. Na melancolia, há uma perturbação da autoestima, ele se repreende e se envilece, esperando ser punido.

Ao pesquisarmos sobre a melancolia, deparamo-nos com palavras como: pulsão de morte, depressão, empobrecimento do ego, degradar-se, desânimo profundo, cessação de interesses externos, perturbação da autoestima. Ao pensarmos sobre a melancolia, imaginamos uma pessoa vestida com uma capa preta, ou cinza. Essa capa pode ser retirada; mas, enquanto servir de veste para esse sujeito, o deixará marcado por algumas características depreciativas. Essa capa suga o seu ego.

Freud (1915) nos diz que a chave desse quadro clínico é que percebemos que as auto recriminações, na verdade, são recriminações feitas a um objeto amado perdido e que esse objeto se desloca para o próprio ego do paciente, gerando uma identificação do ego com o objeto abandonado. Assim, a sombra do objeto cai sobre o ego; a capa escura cai sobre o sujeito. A perda do objeto torna-se a perda do ego, gerando um conflito entre o ego e o objeto amado. Na verdade, este ego agora está alterado por esta identificação.

O melancólico "sabe quem perdeu, mas não sabe o que perdeu nesse alguém" (Freud, 1917, p. 243). Assim, essa perda foi retirada da sua consciência. Ele, o melancólico, sabe que algo foi perdido, mas não sabe o que de fato se foi nesse objeto perdido. Convencido de suas implicações nessa perda, muitas vezes considera-se culpado. Um estado narcísico, pois tudo está voltado para si.

O sujeito melancólico não consegue simbolizar a perda, logo, não consegue cicatrizá-la, produzindo uma dor constante, impossibilitando que o eu invista "no amor e nas coisas do mundo". No luto, a perda é exterior ao sujeito, na melancolia, o sujeito se identifica com o objeto perdido, e, por isso, a dificuldade na cicatrização. Parte do eu, identificada ao objeto perdido, torna-se a própria perda de si. Uma identificação narcisista.

Uma outra característica da melancolia é a presença de um forte movimento para a morte. Freud se perguntava o que levava o melancólico a superar a pulsão de vida, pulsão intensa, na busca da auto extinção. Em 1923, Freud escreve que para o eu viver tem o mesmo sentido de ser amado pelo supereu. Na melancolia, o eu se resigna a ser odiado e perseguido pelo supereu, que passa a ser o traço mais chamativo do sujeito melancólico.

Outro ponto levantado por Freud é a possibilidade de a melancolia tornar-se mania, estado no qual os sintomas são opostos. Para ele, o conteúdo da mania é o mesmo que o da melancolia, as duas desordens "lutariam" contra o mesmo complexo, no entanto, segundo ele, na melancolia, o ego sucumbe a esse complexo, enquanto na mania domina-o.

Voltando à associação que fizemos com a capa preta ou cinza vestida pelo sujeito melancólico, assim como o termo melancolia (melancholia) está vinculado à ideia de bile negra (melas, negro, chole, bile), que, em excesso, seria responsável pela tristeza. Assim, podemos pensar a melancolia como uma condição extrema do sujeito e, portanto, esse sujeito precisa de ajuda.

BIBLIOGRAFIA:

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia in: Obras completas de Sigmund Freud vol. XIV. Rio de Janeiro: IMAGO, 1920.